Tão
Eu os observava a meia distância quando chegaram.
Ela primeiro,
Depois ele.
Tinham tanto de mim que me interessei de pronto e desavergonhado pela
conversa que rapidamente travaram.
Aproximei-me.
Tão absortos um no outro que mal pareciam ter consciência da mesa que
os separava, não reparam quando inclinei um pouco mais a cadeira para ouvi-los.
(Tão próximos... Não podiam ver todo o peso de minha presença, as
Escolhas)
Ela trazia aquele tom dourado-avermelhado nos cabelos, o mesmo que eu
ostentava até pouco tempo atrás. Ele, uma cara rota que tanto me apetecia e com
a qual topara tantas vezes em outra vida. A vida dela naquele momento.
Estavam tão próximos, alheios a distância física.
Ela, Dourada, se mexia no incômodo de quem não deveria estar ali –
embora, visivelmente, desejasse tanto estar exatamente ali. Será que ele
percebia?
Frente a frente, ele lhe dissera tudo.
Motivos para ir e vir foram despejados de modo desajeitado sobre a
mesa, tão palpáveis e próximos quanto os copos de cerveja que sincronizada e lentamente
eles esvaziavam.
Será que ele percebia quanto o espaço de tempo que eles mencionavam
com frequência a fizera mudar para a forma mais fria de uma moça? Eu via.
Eu via mais. Via o estrago das palavras, via o buraco que deixou
tanta informação.
Ele se levantou. “Banheiro”.
Ela ficou.
Por alguns minutos, esteve a rabiscar a mesa com os dedos. De certo
absorta no buraco que eu vira. Eu via. Ela talvez não – ainda não.
Exultante. Descobrira em fim, o problema nunca fora os erros dela.
Foram os acertos a causa da distância de tempo, dizia ele. Roto.
Entendem o que digo? Ela esperara tanto tempo por aquelas respostas e
vê-las cair assim, tão inesperadas em seu colo era realmente... realmente...
estranho.
Sempre fechado, sempre mistério. Indescritível até para mim, o
Futuro, vê-lo livre de sua armadura reluzente.
Mas e agora? O que fazer com o que passou?
Nada, foi o que me lembro dela ter feito. É, eu lembro.
Já se passara um mês e algumas perguntas ainda permanecem insistentes
para ela. E se fosse agora? E se fossem livres das responsabilidades das
escolhas feitas no escuro ignorante do sentimento?
O que ele teria feito, posto que ela estava a mercê de suas escolhas?
Ela sacudiu a cabeça como quem sai de um sonho quando o viu voltar.
Talvez fosse o choque corriqueiro de sua presença, talvez fosse para sair do
mundo paralelo em que se postara.
Se levantaram, pagaram a conta e caminharam juntos. Tentei segui-los,
mas algo na postura dela me mostrou que o interessante daquele dia acabara ali.
Junto com as dúvidas que ela afogara em duas garrafas de cerveja.
Fiquei a pensar no quanto o orgulho e os desencontros de palavras
alteram o rumo de nossas vidas.